Por que o comércio foi transformado em grande vilão na pandemia?


Em meio ao pandemônio da pandemia e enquanto grupos radicais de negacionistas e histeristas digladiam na mídia, cada um com seu exagero deletério, a vida cotidiana prossegue e em muitas circunstâncias tudo pareceria praticamente normal não fosse a anormalidade profunda que nos tomou em meio a uma situação sem precedentes recentes a nos servir de alguma referência.

Seja como for, as ruas continuam movimentadas, os caminhantes caminham, as feiras aglomeram aos borbotões, os supermercados estão cheios de filas, os bancos recebem mais público do que nunca, os botequins da periferia mantêm-se lotados de boêmios e o próprio centro da cidade registra um intenso vai e vem de pessoas de todas as idades. Um detalhe quebra a falsa aparência de meia normalidade: portas de lojas em pleno coração comercial arriadas de segunda a segunda.

Seria profundamente irresponsável negar a gravidade da pandemia e, consequentemente, a necessidade de adoção de medidas duras para seu enfrentamento. Claro! O que não é óbvio, muito pelo contrário, é por que o comércio foi transformado numa espécie de grande vetor do coronavírus, vilão potencial disseminador da doença. Qual o fundamento disso?

Juntos, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Estadual elaboraram um arrazoado de treze páginas para recomendar que o comércio não fosse reaberto. Entretanto, a despeito da validade e legitimidade do posicionamento dos representantes do MP, que buscam zelar pela incolumidade pública, efetivamente nada na argumentação delineada vai muito além de exercício opinativo.

Postula-se que o comércio, para reabrir, precisa de garantias científicas de precisão quase matemática que são simplesmente impossíveis diante do momento, do quadro e da situação. E cria-se uma dicotomia lastimável: comércio aberto significaria doença, morte, ambição; comércio fechado seria cuidado, prevenção, humanismo. Falsas as premissas, equivocadas as conclusões!

As medidas de isolamento – repita-se – são fundamentais. Não haveria como, por exemplo, retomar agora as aulas em escolas e universidades, espaços por natureza de grandes aglomerações. Mas, por que uma loja não pode funcionar com quadro reduzido de funcionários, controle do acesso de clientes e medidas de higiene? Outra pergunta: quem tem a certeza precisa de que os riscos reais serão expressivamente menores daqui a quinze dias, um mês, um trimestre? Só existe achismo.

Seja como for, colocando de lado qualquer discussão de mérito e a contraposição de argumentos, ainda restará a pergunta inicial: enquanto tantas atividades do cotidiano prosseguem, enquanto as chamadas atividades essenciais vão aglomerando pessoas, por que o comércio é o vilão que não pode funcionar, mesmo com restrições e ajustes?

O fato é que não há resposta. Todavia, enquanto a incerteza respalda uma decisão tão severa, as consequências são certas – e danosas: a destruição do emprego, a expansão da pobreza e o agravamento da crise que, por sua vez, gera miséria, doença e morte.

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