Trecho principal da sentença de Moro condenando Lula. "Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você"


A sentença do juiz Sérgio Moro que trouxe a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (e outros) tem 238 páginas. Por isso, o blog selecionou os trechos finais, com o centro do teor da decisão do magistrado, um documento de caráter histórico. Confira:

Luiz Inácio Lula da Silva

Para o crime de corrupção ativa: Luiz Inácio Lula da Silva responde a outras ações penais, inclusive perante este Juízo, mas sem ainda julgamento, motivo pelo qual deve ser considerado como sem antecedentes negativos. Conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A prática do crime corrupção envolveu a destinação de dezesseis milhões de reais a agentes políticos do Partido dos Trabalhadores, um valor muito expressivo. Além disso, o crime foi praticado em um esquema criminoso mais amplo no qual o pagamento de propinas havia se tornado rotina.

Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, através da cobrança de preço superior à estimativa, aliás propiciado pela corrupção, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivalente. A culpabilidade é elevada. O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de Presidente da República, ou seja, de mandatário maior.

A responsabilidade de um Presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes. Isso sem olvidar que o crime se insere em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobras e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS.

Agiu, portanto, com culpabilidade extremada, o que também deve ser valorado negativamente. Tal vetorial também poderia ser enquadrada como negativa a título de personalidade. Considerando três vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção passiva, pena de cinco anos de reclusão. Reduzo a pena em seis meses pela atenuante do art. 65, I, do CP.

Não cabe a agravante pretendida pelo MPF do art. 62, II, "a", uma vez que seria bis in idem com a causa de aumento do §1º do art. 317 do CP. Tendo havido a prática de atos de ofício com infração do dever funcional, itens 886-891, aplico a causa de aumento do §1º do art. 317 do CP, elevando-a para seis anos de reclusão.

Fixo multa proporcional para a corrupção em cento e cinquenta dias multa. Considerando a dimensão dos crimes e especialmente renda declarada de Luiz Inácio Lula da Silva (evento 3, comp227, cerca de R$ 952.814,00 em lucros e dividendos recebidos da LILS Palestras só no ano de 2016), fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último ato criminoso que fixo em 06/2014.

Para o crime de lavagem: Luiz Inácio Lula da Silva responde a outras ações penais, inclusive perante este Juízo, mas sem ainda julgamento, motivo pelo qual deve ser considerado como sem antecedentes negativos. Conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser consideradas neutras, uma vez que a lavagem consistente na ocultação do real titular do imóvel e do real beneficiário das reformas não se revestiu de especial complexidade. A culpabilidade é elevada. O condenado ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de Presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um Presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes.

Isso sem olvidar que o crime se insere em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobras e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS. Agiu, portanto, com culpabilidade extremada, o que também deve ser valorado negativamente. Considerando uma vetorial negativa, de especial reprovação, fixo, para o crime de lavagem, pena de quatro anos de reclusão.

Reduzo a pena em seis meses pela atenuante do art. 65, I, do CP. Não há causas de aumento ou de diminuição. Não se aplica a causa de aumento do §4º do art. 1º da Lei n.º 9.613/1998, pois se trata de um único crime de lavagem, sem prática reiterada. Quanto à prática da lavagem por intermédio de organização criminosa, os atos de lavagem ocorreram no âmbito da OAS Empreendimentos e não no âmbito do grupo criminoso organizado para lesar a Petrobrás.

Fixo multa proporcional para a lavagem em trinta e cinco dias multa. Considerando a dimensão dos crimes e especialmente renda declarada de Luiz Inácio Lula da Silva (evento 3, comp227, cerca de R$ 952.814,00 em lucros e dividendos recebidos da LILS Palestras só no ano de 2016), fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último ato criminoso que fixo em 12/2014.

Entre os crimes de corrupção e de lavagem, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a nove anos e seis meses de reclusão, que reputo definitivas para o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quanto às multas deverão ser convertidas em valor e somadas.

Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena. A progressão de regime fica, em princípio, condicionada à reparação do dano no termos do art. 33, §4º, do CP.

Em decorrência da condenação pelo crime de lavagem, decreto, com base no art. 7º, II, da Lei nº 9.613/1998, a interdição de José Adelmário Pinheiro Filho e Luiz Inácio Lula da Silva, para o exercício de cargo ou função pública ou de diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da mesma lei pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade.

Considerando que o apartamento 164-A, triplex, Edifício Salina, Condomínio Solaris, no Guarujá, matrícula 104801 do Registro de Imóveis do Guarujá, é produto de crime de corrupção e de lavagem de dinheiro, decreto o confisco, com base no art. 91, II, "b", do CP. A fim de assegurar o confisco, decreto o sequestro sobre o referido bem. Independentemente do trânsito em julgado, expeça-se precatória para lavratura do termo de sequestro e para registrar o confisco junto ao Registro de Imóveis. Desnecessária no momento avaliação do bem.

Independentemente do trânsito em julgado, oficie-se ao Juízo no processo de recuperação judicial que tramita perante a 1ª Vara de Falência e Recuperações Judiciais da Justiça Estadual de São Paulo (processo 0018687-94.2015.8.26.01000), informando o sequestro e confisco do bem como produto de crime e que, portanto, ele não pode mais ser considerado como garantia em processos cíveis.

(...)

O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu ao processo em liberdade. Há depoimentos de pelo menos duas pessoas no sentido de que ele teria orientado a destruição de provas, de José Adelmário Pinheiro Filho (itens 536-537) tomado neste processo, e ainda de Renato de Souza Duque. O depoimento deste último foi tomado, porém, em outra ação penal, de nº 5054932-88.2016.4.04.7000.

Como defesa na presente ação penal, tem ele, orientado por seus advogados, adotado táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado, com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. Até mesmo promoveu ação de indenização contra testemunha e que foi julgada improcedente, além de ação de indenização contra jornalistas que revelaram fatos relevantes sobre o presente caso, também julgada improcedente (tópico II.1 a II.4).

Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que se assumir o poder irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal (05 de maio de 2017, "se eles não me prenderem logo quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam, conforme http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/se-eles-nao-me-prenderem-logo-quem-sabe-eu-mando-prende-los-diz-lula/).

Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever.

Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade.

Por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável que um ex-Presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei. Prevalece, enfim, o ditado "não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você" (uma adaptação livre de "be you never so high the law is above you").

Transitada em julgado, lancem o nome dos condenados no rol dos culpados. Procedam-se às anotações e comunicações de praxe (inclusive ao TRE, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal).

Curitiba, 12 de julho de 2017

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Imagem: reprodução (print) de vídeo do Youtube

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