Politicando - "Somente gente"


Nesta quarta-feira, o portal da revista Exame publicou uma matéria que chama a atenção já pela manchete, que dizia: “Travesti é 1º lugar em vestibular de universidade federal”.

No corpo do texto, a notícia informava que a travesti que se apresenta como Amanda Palha foi aprovada em primeiro lugar pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada) para o curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, a UFPE.

Pois muito bem. A matéria terminou e eu fiquei procurando onde estava o fato jornalístico a justificar uma notícia no portal da Exame.

Pelo que entendi, o viés que o portal tentou dar foi ao aspecto marginalizado com que os travestis são identificados. Como diz a própria postagem, “a realidade das travestis no Brasil muitas vezes é associada a prostituição, uso de drogas, criminalidade e suicídio”.

Sei não. Diz uma velha regra jornalística que se um cachorro morde um homem, isso não é notícia; mas, se o homem morde o cachorro, aí, sim! Ou seja, o que é usual não é manchete.

Ora, é de bom tom crer que há pessoas de todas as classes, cores, credos, jeitos e preferências sexuais passando nos vestibulares. E, sendo assim, o fato de alguém ser, como é o caso, travesti, não parece causar espanto por ter conseguido o primeiro lugar.

Mesmo porque, é extremamente lugar-comum e um exercício tosco de forçação de barra fazer contraponto entre travestis que vivem no submundo das noites e alguém que seria travesti e mandou bem nas provas.

Não mostra haver uma quebra de paradigma, porque em todo e qualquer segmento, mesmo aqueles aparentemente mais homogêneos, há sempre uma grande diversidade de indivíduos.

E, cá para nós, ninguém agüenta mais essa agenda desequilibrada de ressaltar e insistir em ressaltar as diferenças entre as pessoas com o fim de fazer suposta militância e arvorar ditas bandeiras.

Está na ordem do dia uma filosofia política especializada em dividir e criar ambientes que inflacionam as divergências: pobre contra rico; negro contra branco; nordestino contra o povo do sudeste; héteros contra homossexuais... Falam em igualdade, mas insuflam a exaltação do que nos divide e distingue.

Aí, nessa armadilha, fica gente brigando para saber qual era a cor da pele de um personagem histórico importante; onde nasceu aquele grande poeta; se rico ou pobre é mais feliz; e quem é bom e quem é ruim, o hétero ou o homo. E essa política não se dá por acaso: é a velha estratégia de guerra do dividir para conquistar.

Onde a reportagem da revista Exame viu um homossexual, um travesti, um militante, um esquerdista, um paulista, um representante de uma minoria passando no Sisu, eu só consegui enxergar apenas e tão somente uma pessoa. E nada mais.

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