Opinião: A mística dos anos pares


Há alguma mística, um ar milagroso que envolve os anos pares. Pelo menos no meio político. Nos anos pares, como 2014, alguns políticos, por exemplo, descobrem que seus aliados mais próximos não valem o que o gato enterra. Mas, há também o inverso: outros percebem que inimigos encardidos não são tão sujos assim e, na verdade, até possuem qualidades aprazíveis.

Nos anos pares, os políticos sentem mais saudades das suas origens, mostram-se mais ufanistas, não resistem ao desejo de ter um contato mais direto com sua gente. Dá vontade de apertar mão de estranho na rua, abraçar quem estiver pela frente, pegar menino no colo, tomar café aguado em copo de extrato de tomate dentro da tapera de um pobre, comer pastel em pé de balcão de uma birosca de feira...

Nos anos pares, pobre não precisa chamar político de excelência, de doutor, de senhor. Não carece de nenhuma reverência, nada de salamaleques. As autoridades deixam a formalidade no armário, junto com os paletós italianos, e viram gente da gente, povo no meio do povo. O que há nesses anos que faz com que haja um derramamento de humildade nos corações dos figurões? Que mística é essa?

Outra marca dos anos pares é o avivamento da fé. Nunca as igrejas ficam tão lotadas dos chamados homens públicos. Ocupam os primeiros bancos, alguns até são chamados aos púlpitos para relatar seus testemunhos. Batem no peito, elevam olhares piedosos aos céus e, na saída, fazem questão de, sorriso simpático e gestos de humildade, apertar a mão de cada “irmão” – se pudessem, de tão quebrantados, fariam como o Cristo aos discípulos e lavariam e beijariam os pés de cada crente.

Anos pares marcam a certeza de que tudo é possível. Surgem as soluções infalíveis para a educação, a saúde, a segurança pública e a corrupção. Tudo se mostra passível de solução e os olhos dos cidadãos podem brilhar porque o futuro há de ser diferente. Os anos pares são fartos de discursos de esperança. Que mística!

Há, apenas, duas soluções para melhorar o país. Uma delas é passarmos a contar os anos de dois em dois – assim, viveremos sempre a maravilha dos anos pares. A outra, mais difícil, é o cidadão/eleitor abrir os olhos e tomar um chá de realidade – que também pode ser chamado de vergonha na cara.

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