A cruz de latas do padre Djacy

Imagem: Reprodução Twitter @PadreDjacy
Vi uma fotografia em que o padre Djacy Brasileiro aparece à frente de uma cruz. Um padre perto de uma cruz, símbolo do cristianismo, não é novidade alguma. Acontece, porém, que a cruz do padre Djacy não é de madeira lustrada, arte em metal ou do luxuoso ouro que ostensivamente orna algumas igrejas. É uma cruz de latas.

Latas velhas de tinta, do tipo que se usa para recolher água onde esse bem indispensável à sobrevivência de animais, plantas e homens é escasso. A cruz do padre Djacy é estranha, a bem dizer uma cruz tosca. Como tosca era a cruz em que Cristo entregou a vida para salvação da humanidade.

O sacrifício salvífico do Filho de Deus transformou a cruz, aquela “máquina de morte”, em símbolo de amor, graça, vida e redenção. Mas, a cruz do padre Djacy não é uma cruz como aquela do Senhor. É uma cruz em que estão crucificados homens e mulheres, velhos e crianças, e até mesmo os seres brutos que Deus pôs sobre a Terra e padecem de sede.

É a cruz que milhares de irmãos carregam diariamente sob o sol escaldante, em meio a paisagens desérticas, cor de morte, numa luta meio perdida, não raro meio insana, pela sobrevivência.

A cruz, até Cristo, era símbolo da vergonha, opróbrio para quem a carregava e nela era levantado para a morte. Era penitência extrema para condenados. A cruz de latas do padre Djacy retoma este emblema. Mas, a vergonha recai, na verdade, sobre uma nação que assiste, com meros gestos paliativos, irmãos marcharem condenados pelo flagelo da seca.

Essa cruz de latas condena um poder público que jamais quis, de verdade, pôr fim a tanta miséria. Mudam governos e governantes, sistemas políticos e estruturas administrativas, e, até hoje, não houve uma decisão efetiva de confrontar as mazelas da estiagem. Se houvesse vontade de fato, a seca não matava nem gente nem bicho.

A cruz de latas do padre Djacy é um pendão, o símbolo de um grito que não se faz ouvir, um clamor dolorido da esperança ressequida como o chão do Cariri, uma convocação à ação urgente, um pedido de socorro. É, ainda, uma prece que aponta para o Céu: Senhor, já que os homens endurecem o coração, tem piedade da nossa gente!

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