A dor de barriga de Dom Pedro I

Às margens plácidas do Ipiranga, ouviu-se um gemido. O príncipe regente Dom Pedro I penava com uma tremenda dor de barriga, daquelas que igualam, prostrados, nobres e plebeus. Chegam às mãos do alquebrado príncipe cartas subscritas por Dona Maria Leopoldina, sua esposa, e pelo ministro José Bonifácio (o “Patriarca da Independência”), dando conta da ordem advinda da Corte em Lisboa determinando sua ida imediata para Portugal, sob pena de ser o Brasil alvo de uma investida militar por parte da coroa.

Dom Pedro estava cansado. Voltando de Santos com direção a São Paulo, cansado da longa jornada sobre lombo de burro. Tendo mais uma vez sua vontade contrariada pelo pai, o fraco Dom João VI, estava cansado das imposições da corte. Vitimado por aquela violenta dor de barriga, que fazia tremer suas entranhas reais, sentiu todo o cansaço formar uma onda imensa a lhe provocar espasmos, uma onda veemente e impetuosa que precisava expelir, fosse como fosse. E o fez, trêmulo, barulhentamente.

“Independência ou morte!”, ou qualquer que tenha sido o brado retumbante, foi, antes de tudo, um clamor visceral, um urro intestino. Não foi uma vociferação de valentia, gesto heróico de um belo príncipe, galantemente vestido, montando majestoso alazão. Foi um grito de basta de um regente feioso, com vestes empoeiradas, sobre uma mula teimosa, estropiado pela cavalgada e pela disenteria. A cena não é poética, mas foi assim que a independência se fez. Corria o ano de 1822. Hoje, não é Portugal que nos oprime.

É uma minoria de brasileiros agrilhoando brasileiros. Hoje, o cansaço também é insuportável. Ninguém agüenta mais tanta roubalheira, tanta cara de pau, tanta miséria, tanto escárnio. O que falta, pois, a esta “brava gente brasileira”, para que proclame “Ou ficar a pátria livre / Ou morrer pelo Brasil”? O que falta para que nossa inconformidade se torne um grito e um gesto pela independência? Falta-nos, apenas, uma dor de barriga. Dor de barriga cívica, cidadã e moral. Independência ou morte! Porque dependência é morte.

Coluna nossa publicada no extinto Diário da Borborema de 07 de setembro de 2011

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