"O gato no espelho" - Uma fábula sobre política, políticos e eleitores

Colocado em frente ao espelho, o doce gatinho revela-se uma fera. Solta meados frenéticos, miaus ameaçadores – como se imprecasse os maiores impropérios –, põe à mostra suas garras afiadas e tenta ferir a própria imagem. Julga, ao atacar seu reflexo, defender-se de um inimigo horrendo, um demônio que se impõe face a face. O ingênuo felino desconhece a própria aparência e, ao vislumbrar seu reflexo, não gosta do que vê.

Eis uma cena que pode ser aplicada como alegoria política. Se bem repararmos, pondo à parte preferências, sentimentos e injunções partidárias e pessoais, conseguiremos perceber que o gato em frente ao espelho comporta-se de modo similar a dois políticos antagonistas. O bichano estranha seu reflexo e defende-se atacando, enquanto alguns políticos, efetivamente gêmeos univitelinos em práticas e condutas, postos cara a cara arrepiam-se e, mesmo sendo reflexo um do outro, agridem-se, tratando cada um ao seu oponente como se fosse a imagem do mal, um sinistro monstro, uma anomalia terrível.

Pelo comportamento da classe, é permitido avaliar que a política assemelha-se a um grande jogo de espelhos, afinal, a absoluta maioria dos homens públicos tem postura idêntica. Num plano geral, o que muda é apenas sua posição: quem ora é a imagem que se faz refletir em seguida passa a ser reflexo. Não é debalde que a oposição (que seria o reflexo), sempre parece de esquerda, e o governo, de direita – é só uma questão de ilusão de óptica, coisa típica dos espelhos. E da política, grande sala dos espelhos das ilusões.

Nessa fábula toda, nesse jogo de impressões, como se porta o povo? O povo está mais para cão que para gato. O povo ignora o espelho, porque, se o observasse, descobriria que usa um grande, redondo e vermelho nariz, uma pintura berrante no entorno da boca e dos olhos e um chapéu patético. Mas, o povo não se olha no espelho. Ao invés disso, mordido pela pulga chamada Democracia Brasileira, pensa que manda, julga-se uma fera e corre, frenético, com latidos ameaçadores, atrás do próprio rabo.

Publicado originalmente no Diário da Borborema em 03 de setembro de 2009

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