REPORTAGEM: 'POLÍTICA DE PAI PARA FILHO'

Enivaldo e a filha e herdeira Daniella
Crédito: Junot Lacet / D.A Press

As eleições do ano passado confirmaram uma antiga cultura do Nordeste, que não é diferente na Paraíba: a política como herança de pai para filho. Um terço da bancada que representa o estado na Câmara Federal é de filhos eleitos em nome dos pais. Essa presença poderia ser ainda maior, caso o deputado federal e mandachuva máximo do PR paraibano Wellington Roberto tivesse conseguido viabilizar sua candidatura ao Senado no último pleito, porque, neste caso, certamente teria lançado o filho, Caio Roberto, candidato a ocupar “sua vaga” na Câmara. Como toda a intensa articulação que promoveu não deu resultado, Wellingtou terminou se reelegendo e ainda fez do jovem Caio, então com 25 anos, deputado estadual.

Entre os que hoje exercem mandato na Câmara dos Deputados está Efraim Filho (DEM), reeleito no ano passado. A primeira eleição, há quatro anos, quando era um ilustre desconhecido, contou com uma “forcinha” do então senador Efraim Morais. Já Wilson Filho, rebento do agora senador Wilson Santiago, passou a ocupar o espaço que era do pai, tendo sido eleito com apenas 21 anos. Mesma idade do seu colega de parlamento Hugo Mota, filho do prefeito de Patos, Nabor Wanderley. Fecha a lista Aguinaldo Ribeiro, filho do ex-deputado estadual, federal e prefeito de Campina Grande, Enivaldo Ribeiro.

Depois de não conseguir se reeleger para a Câmara Federal em 2006, Enivaldo passou definitivamente o bastão para os filhos, Aguinaldo, hoje deputado federal, e Daniella, deputada estadual. Após deixar a prefeitura, em 1983, Enivaldo tentou voltar ao cargo em quatro eleições seguidas: 1988, 1992, 1996 e 2000.

Foram três derrotas para Cássio Cunha Lima e uma para Félix Araújo Filho (1992). Em 2004, seguindo o rifão que recomenda que “se não pode vencer o inimigo, junte-se a ele”, Enivaldo aliou-se à família Cunha Lima, e sua filha, Daniella, foi vice na chapa de Rômulo Gouveia, derrotada por Veneziano Vital do Rêgo. Agora, a própria Daniella é cotada para disputar a prefeitura no ano que vem, talvez com o apoio do ex-adversário Veneziano.

Poder passará à 3ª geração?
Crédito: Junot Lacet /D.A Press

O algoz de Enivaldo em três eleições, Cássio, também entrou na política em nome do pai, Ronaldo Cunha Lima, ex-prefeito, ex-senador, ex-deputado e ex-governador. Cássio foi eleito deputado federal constituinte em 1986, com apenas 23 anos. Em 1989, valendo-se dos dispositivos transitórios da recém-promulgada Constituição, sucedeu ao pai no comando da prefeitura. Seguiu como “filho de Ronaldo” até 2002, quando se elegeu governador e tomou às rédeas do seu grupo político. Dali em diante, Ronaldo é que passou a ser conhecido como “o pai de Cássio”.

Hoje, vivendo o que seriam os estertores de uma fase negra, que perdura desde sua cassação, em fevereiro de 2009, o ex-governador ainda aguarda uma definição do Supremo Tribunal Federal para assumir a vaga de senador. Agora, num período em que pipocam candidatos a prefeito de Campina Grande, Cássio garante ser contra a entrada do filho, Diogo Cunha Lima, na política, apesar de o rapaz estar entre os nomes mais cotados para as eleições de 2012. Em meio ao mau momento, o ex-governador já disse enfaticamente que não quer ver o filho “metido em política”.

O sentimento atual do tucano diverge dos planos de boa parte dos políticos em geral que, a fim de assegurarem a manutenção do poder no seio familiar, procuram envolver os filhos nas lides partidárias. A prática, que parece ter conquistado fôlego novo nas últimas eleições, é secular. Numa época em que os prefeitos eram escolhidos pelo governo estadual, o dinamarquês Cristiano Lauritzen (imagem ao lado) tornou-se o homem que por mais tempo administrou Campina Grande. Foram 19 anos no poder, entre 1904 e 1923, ano em que faleceu. Isso sem contar os cerca de dois anos (1890 a 1892) em que foi presidente do Conselho de Intendência, órgão que precedeu à criação da prefeitura. Após o falecimento de Cristiano, e passado o governo temporário de Juvino de Souza do Ó, o filho do “Gringo”, Ernani Lauritzen, assumiu a prefeitura municipal por quatro anos, de 1924 a 1928. No total, pai e filho comandaram Campina por quase um quarto de século.
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A política também divide pais e filhos

Família Vital do Rêgo rachou,
mas, depois, fez as pazes
Assim como na convivência familiar comum, a relação entre pais e filhos na política nem sempre é pacífica. Tal qual na vida cotidiana, quando os filhos criam asas e começam a alçar voos independentes, tomando decisões políticas de acordo com suas próprias convicções, e não mais pela orientação paterna, os conflitos acabam ocorrendo. O ex-vereador e ex-deputado federal Walter Brito Neto, por exemplo, tornou-se adversário do pai, Walter Brito Filho, ex-deputado estadual por quatro mandatos.

No ano passado, os dois resolveram medir forças, lançando-se candidatos a deputado federal, o pai pelo PPS, integrando a coligação “Uma nova Paraíba”, de Ricardo Coutinho, e o filho pelo PRB, que perfilou-se no primeiro turno ao lado de José Maranhão, da coligação “Paraíba Unida”. Terminaram longe das primeiras colocações. Walter pai somou 7.433 votos, ficando na 29ª posição, enquanto “Waltito”, com 5.202 sufrágios, foi somente o 32º. Coincidência ou não, resultados inferiores ao que os dois haviam conseguido quatro anos antes, quando eram aliados.

Outra história conhecida aconteceu em 2002, quando o hoje prefeito Veneziano Vital do Rêgo e seu pai, o ex-deputado Vital do Rêgo, também disputaram uma mesma eleição. Veneziano, que contava com o apoio do irmão, Vitalzinho, obteve 44.732 votos, contra 8.376 de Vital. Quatro anos mais tarde, foi a vez de Vital Filho disputar uma vaga na Câmara, tendo como um dos adversários o próprio pai.

No fim, Vitalzinho, apoiado pelo irmão Veneziano, já prefeito de Campina Grande, elegeu-se com a maior votação do estado, 168.301 sufrágios, enquanto o ex-deputado Antônio Vital do Rêgo somou apenas 6.497. Passadas as eleições, pai e filhos fizeram as pazes e o ex-deputado participou ativa e entusiasticamente da campanha de Veneziano à reeleição. No ano passado, o tribuno Vital do Rêgo despontava como candidato certo dos filhos a deputado federal, mas acabou falecendo em fevereiro.

'Hereditariedade' é comum no Nordeste

Clã Sarney domina do Maranhão
ao Amapá
A prática da política de pai para filho não é restrita à Paraíba. Comum em todo o país, a política hereditária tem sua principal base no Nordeste. O ex-presidente da República, José Sarney, decolou para a política no estado do Maranhão, onde foi governador entre os anos de 1966 e 1961.

Após ser alçado ao primeiro escalão da nacional por conta de uma fatalidade, a morte do presidente eleito Tancredo Neves, o Maranhão ficou pequeno para Sarney, que praticamente perpetuou-se no Senado, deixando para a filha, Roseana, a missão de comandar a política estadual. Hoje, a herdeira do ex-presidente governa o Maranhão pela quarta vez. Além de Roseana, também seguiu os passos do pai o advogado Sarney Filho, que é deputado federal. A família Sarney, contudo, estende hoje seu poder a dois estados, já que o ex-presidente é senador pelo Amapá, estado vizinho ao Maranhão, mas localizado na região Norte.

No Nordeste, o cenário se repete em outros estados. Na Bahia, por exemplo, o controverso e poderoso ex-senador e ex-governador Antônio Carlos Magalhães, morto em 2007, fez do filho, Luís Eduardo, deputado federal. Em 1998, ACM sofreu um grande baque com a morte do filho, que acabaria dando nome a um dos municípios da Bahia. Outro filho do cacique, Antônio Carlos Magalhães Júnior, foi suplente de senador do pai, assumindo definitivamente o cargo após a morte do titular. E a vaga aberta com a morte de Luís Eduardo seria preenchida por outro herdeiro da “linha sucessória” dos Magalhães, Antônio Carlos Magalhães Neto, atualmente deputado federal.

O quadro baiano se repete no Rio Grande do Norte, onde as famílias Alves (do senador Garibaldi Alves), Maia (do senador José Agripino Maia) e Rosado (da governadora Rosalba Rosado) digladiam pelo poder. Em resumo, essa genealogia política segue formando árvores infindáveis por todo o Nordeste, onde o sobrenome se mantém como uma das principais “qualidades” de um candidato. Para muitos, um traço da continuidade do velho coronelismo na região, para outros (uma minoria), simples caso de tradição.

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Reportagem nossa publicada no Diário da Borborema (manchete principal) e em O Norte deste domingo, 14, dia dos pais

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