O dia mal começara a clarear, e Damião sentiu o conhecido sacolejo de todas as manhãs nos punhos da rede. Algumas vezes estava sonhando, quando era, assim, bruscamente trazido de volta à realidade, despertando meio confuso, até conseguir separar o sonho de instantes antes com o raiar de mais um dia da sua vida. A voz grave e cheia de autoridade do pai tratava de desestimular qualquer tentativa de um cochilo a mais.- Com essa mão, pagão? Quantas vêis já te falei? Vai ficar homi barbado sem aprender que quem pede bença com a mão esquerda é pagão?
- Pru quê?
- Nada, porque hoje né dia de natal, né? Na cidade né inferiado?
- Oxe, deixe de vadiagem! O povo da cidade é morto de priguiça. Vamo trabaiar o dia todim, sim, sinhô!
- É que eu pensava que era dia santo...
- Santo é todo dia! Isso é bestera de tua mãe.
- Será que ela vai pra missa de noite? Eu posso ir... né a missa do galo, né?
- Ela deve ir. Eu num vô. E eu sei qual é a missa que tu quer assistir lá. Mas vai, já tás cavalo véi mermo. Só num me arrume encrenca nem chegue em casa bebo. E amanhã de manhã tem serviço!
- Eita! Vão, mas já sabem, né?
- É o dia em que nasceu nosso sinhô.
- Ah...
Observando a seca caatinga, segue seu caminho, mãos que não sabem formar letras, mãos que não têm tempo pra brincar, mãos de um menino, mãos hábeis na enxada com cabo adaptado para o corpo franzino. Naquela noite não haverá ceia especial, não haverá peru, nem árvore de natal, nem presentes. Não se verá meia na janela, afinal, quem não tem sapato vai ter meia? Papai Noel não é esperado. Espera-se é chuva, pra que não falte a farinha, o feijão, o cuscuz, o leite, o dinheiro para a charque, a água no pote. Para que as mangueiras, goiabeiras e jabuticabeiras tenham boa safra, e Damião possa pendurar-se em seus galhos e fartar-se com seus frutos doces. Quem sabe o Deus-menino que nasceu naquele dia ajude para que isso possa acontecer? É só o que Damião deseja. É um feliz natal.
Lenildo Ferreira
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