'AQUELE EU QUE EU NÃO CONHECIA'

Sempre tive a convicção de que, se aqueles com quem convivo parassem para, com humildade e o coração aberto, ouvir o que eu e os outros pensávamos a seu respeito, em particular daquilo em que deveriam mudar, eles se tornariam pessoas muito melhores.

Quanto ao meu julgamento pessoal, confesso sempre ter sido mais complacente comigo mesmo. Não tenho um gênio descontrolado, apenas sou um pouco temperamental; Não sou muito teimoso, só um pouco insistente; não estou gordo, apenas um pouco acima do peso. Esses são meus defeitos – ninguém é perfeito! Todos perdoáveis, possíveis de serem ignorados, afinal de contas tenho qualidades tão interessantes, como ser muito bom amigo, muito humilde, muito compreensivo, muito esforçado, muito trabalhador, muito verdadeiro e tenho os olhos muito bonitos, etc., etc., etc.

Até que um dia, não sei se em um sonho, um delírio, uma visão ou o que quer que tenha sido, ao dobrar de uma esquina da existência, deparei-me com um sujeito muito parecido comigo. Não recordava de onde ou como, mas eu o conhecia muito bem, e ele também me conhecia. Aproximou-se de mim, sorrindo amigavelmente, e já foi indagando:

- Diga com sinceridade: o que pensa a meu respeito?

Olhei em seus olhos, refleti e retruquei:

- Você é uma ótima pessoa. Mas... precisa mudar algumas coisas, pois, do contrário, pode comprometer gravemente sua convivência com os outros, inclusive com quem te ama. Estou falando desse seu temperamento horrível. Tudo lhe irrita, faz perder as estribeiras. Não me leve a mal, mas, às vezes, parece um cavalo dando coices! Sinceramente. Tente se controlar mais. Não pode ser assim... Isso é ridículo!

Já ia dando por encerrada minha prédica quando emendei:

- Ah! Aproveita e faz um regime pra diminuir essa barriga! Você está gordo demais... Só isso...
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O cara me sorriu novamente e, aqui, pareceu que o encanto se desfez. Achei-me diante do espelho. Isso mesmo: aquele sujeito era eu.

É muito mais fácil ver e condenar as falhas alheias que as nossas, que sempre parecem menores e perdoáveis. Assim ajo eu, assim o outro age, assim agimos todos, juízes do mundo, advogados de nós mesmos. Quem dera julgássemos os outros com a mesma medida com que nos julgamos. Descobriríamos que eles não são tão maus quanto às vezes pintamos, e nos conheceríamos melhor, vendo que não somos tão bons quanto, pretensiosamente, acreditamos ser.
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Conto de Lenildo Ferreira

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