CRAQUE AVANÇA EM CAMPINA, CONSOME VIDAS E DESTRÓI FAMÍLIAS

Amenófis, vício, criminalidade e morte pelo crack (Foto: Nicolau de Castro/Jornal da Paraíba)

Josina Lima, 42 anos, olha a foto de Amenófis Lima Catamduba, morto no final de fevereiro, aos 20 anos, em circunstâncias ainda não explicadas pela polícia, e pede justiça. “Meu filho era um menino de bem, mas, infelizmente, por conta de más amizades, entrou no mundo das drogas e terminou sendo morto brutalmente, como um animal”, chora.

Ao lado dela, sua mãe, Olivia Lima, 75 anos, fala que o neto, apesar de todos os problemas que tinha, era bom em casa. “Moramos mais de dois anos em São Paulo, vivíamos bem, mas aqui ele arrumou essas amizades e terminou nisso”, lamenta. Amenófis começou nas drogas pela maconha e, pouco tempo antes de morrer, viciou-se em crack. Ao ser encontrado morto, tinha algumas pedras da droga no bolso. Para a família, seu problema era apenas o vício. Para a polícia, o rapaz já havia se tornado um nome conhecido há tempos.

A trajetória de Amenófis, da juventude ao vício, do vício ao crime, do crime à morte, vem para a desgraça das famílias, deixando de ser exceção na cidade. Segundo dados da 2ª Superintendência de Polícia Civil, a exemplo do que acontece em todo o País, aqui o consumo de crack vem aumentando assustadoramente, o que pode ser aferido a partir dos dados de apreensões de drogas. Segundo o delegado regional, Severiano Pedro, de janeiro a agosto deste ano, as apreensões do crack aumentaram 170% em relação ao mesmo período de 2007. Isso implica pelo menos 1,2 kg apreendidos este ano contra mais de 400 gramas do ano passado.Com elevado poder viciante, a droga cria dependentes que, na falta de dinheiro para manutenção diária do vício, encontram no crime a única saída. “O vício leva ao crime de furto e roubo. Começa em casa, roubando dinheiro, jóias e objetos, quando a família possui esses bens. Acaba em crimes mais graves, como latrocínio”, explica Severiano Pedro.

O problema mostra sua gravidade quando se observa a realidade de um dependente médio do crack, que consome pelo menos três pedras por dia, uma despesa de cerca de R$ 30, ou, no mês, cerca de R$ 900.O psiquiatra George Suetônio Ramalho, entretanto, diz conhecer casos de pessoas que chegaram a consumir 40 pedras em um único dia. Ramalho explica os efeitos do crack: “É a droga com um dos maiores poderes viciantes, que provoca uma rápida dependência e de recuperação muito difícil”, afirma. E diz que a droga provoca a intoxicação do sistema nervoso central, com atrofia do cérebro, fibrose pulmonar e rápida perda de peso por ausência de apetite, de modo que seu uso prolongado, segundo o profissional, leva invariavelmente à morte, seja por overdose, seja por desnutrição.

Assim, a relação entre usuário e crack é de consumo mútuo. E, se a inanição ou overdose não liquida o dependente, a vida do crime que este passa a percorrer trata de fazê-lo. De janeiro a agosto, já são 12 menores de idade vítimas de homicídio na cidade. A maioria com histórias como a de Amenófis.


QUATRO BAIRROS LIDERAM RANKING DE APREENSÕES

De janeiro a agosto de 2008, os bairros de Santa Rosa, José Pinheiro, Palmeira e Pedregal, respectivamente, têm liderado os índices de apreensão de drogas pela Polícia Civil. Nesse mesmo período, enquanto as apreensões do crack aumentaram 170%, com a maconha houve uma queda de 90%. Para que se tenha uma idéia mais exata, enquanto no primeiro semestre deste ano a Polícia Civil apreendeu, no total, cerca de 100 gramas de maconha, com o crack foi cerca de 1,2 kg. E, para quem acha que 1kg é pouco, basta lembrar que a pedra da droga comercializada pelo tráfico não passa de 1 grama.

Assim, essa quantidade de crack resulta em nada menos que mil pedras que, comercializadas a uma média de R$ 10, cada, gera um valor de cerca de R$ 10 mil. Logo, encontramos um dos principais motivos para o crescimento do crack, o fator econômico, já que a droga é muito mais comercial que a maconha. E com outra vantagem considerável: é mais fácil de transportar, por formar menos volume, o que, no mundo do tráfico, é uma característica fundamental. Outro ponto está justamente no fato do crack viciar mais rápido e ser mais difícil de se largar. O “cliente” é mais garantido e mais constante.

Como em Campina Grande não há produção quantitativamente conhecida de droga, sabe-se de onde tudo isso vem e até como vem. A maconha consumida aqui te origem no conhecido “Polígono da maconha”, na região de municípios como Cabrobó, Salgueiro e Jatobá, em Pernambuco, e entra na cidade pela BR-412. O crack, segundo a Polícia Rodoviária Federal, provêm principalmente de São Paulo, entrando aqui via BR-230, depois de passar por João Pessoa ou mesmo Natal. Nesses casos, entretanto, saber como e por onde vem a droga não pode impedir sua vinda, afinal, são mais de sete mil carros por dia cruzando nossas BRs, para um efetivo pequeno que não teria como praticamente desmontar os veículos em busca de drogas escondidas nas partes mais improváveis, onde, via de regra, só os cães farejadores podem detectar. Entretanto, para toda a Paraíba, a PRF dispõe de apenas dois animais.


SAÚDE DIZ QUE CAPES AD ATENDE 586 DEPENDENTES

O atendimento aos dependentes químicos, em particular usuários de drogas em crise de abstinência, é realizado por meio de tratamento psiquiátrico. Segundo a Secretaria de Saúde de Campina Grande, toda a rede hospitalar deveria estar preparada para receber pacientes em crise, mas como para isso é necessária a existência de um espaço específico, os hospitais acabam não prestando esse atendimento. Ainda conforme a secretaria, a cidade conta com o serviço do Centro de Atenção Psicossocial a Álcool e outras drogas (Capes Ad), para atender aos dependentes de drogas, lícitas e ilícitas.

A coordenadora do Centro, Alda Cristina, disse que atualmente são atendidos 586 pessoas a partir dos 12 anos. No Capes Ad, mantido com recursos do Sistema Único de Saúde, os dependentes são atendidos por psicólogos, médicos e terapeutas. Mas, como o atendimento no centro acontece de segunda a sexta, das 7h30 às 18h, a coordenadora explica que usuários em crise no final de semana são internados no hospital Dr. Edgley, onde existem 14 leitos reservados para internações de no máximo 72 horas. Para o promotor da Infância e da Juventude, Herbert Targino, esse número é insignificante. “Se eu chegar com 14 crianças para internar no Edgley, de certo não vou conseguir, porque, ainda que existissem leitos, não haveria equipe especializada suficiente. As pessoas nos procuram pedindo para mandar a polícia prender um filho ou um irmão que estão em crise, quando isso não é um problema de polícia, mas de saúde”, ressaltou. Herbert disse ainda que há um ano foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta entre as secretarias de Saúde e de Assistência Social para criação de um pronto-socorro de urgência para os jovens e adolescentes drogatícios, o que, até agora, não aconteceu.

Robson Dutra, secretário de Assistência Social, disse que o trabalho da Semas é receber e encaminhar os usuários de drogas para atendimento. Já o secretário de Saúde, João Menezes, assegurou que número de leitos tem sido suficiente, e que em breve será aberto um espaço para menores. A coordenadora da emergência psiquiátrica do Edgley, Isabel Guedes, afirmou que número de leitos segue recomendação do Ministério da Saúde.


PORTA DE ENTRADA É CONSUMO DE ÁLCOOL E MACONHA

A porta de entrada para uma droga tão devastadora, em geral, se dá através da maconha. Pesquisa do Departamento de Investigação Sobre Narcóticos (Denarc) de São Paulo, no ano passado, revelou que nove em cada dez dependentes de drogas como crack e cocaína dizem ter sido assim seu caminho no vício. Mas, antes mesmo das drogas ilegais, especialistas como o psiquiatra George Suetônio Ramalho revelam outro vilão: o álcool, principalmente quando consumido por adolescentes, o que os torna menos resistentes à curiosidade de experimentar maiores “baratos”, já que a mesma pesquisa do Denarc mostrou o que os estudiosos do problema (e mesmo os não estudiosos) já sabiam: o uso inicial de entorpecentes começa através de amigos. A pesquisa mostra que 77% dos entrevistados tiveram o primeiro contato com a droga na rua ou em festas com amigos.

Mas, ao contrário do que muitos pensam, o uso das drogas não está diretamente vinculado ao aspecto econômico. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, no estudo “O Estado da Juventude: drogas, prisões e acidentes”, publicado no início deste ano, o perfil do usuário de drogas no Brasil aponta que 85% são de cor branca e pertencente às classes A e B, mais de 50% têm entre 20 e 29 anos, 36% entre 10 e 19 anos e mais de 90% são do sexo masculino.Ocorre que, via de regra, são os pobres que, não podendo manter o vício com recursos próprios, caem na criminalidade. Não há dados locais que possam contrapor essa realidade ao cenário campinense, mas, para todos os efeitos, quem lida com o mundo das drogas, quer policiais, quer profissionais da saúde, confirmam que entorpecentes como o crack desconhecem classes sociais. Psiquiatras da cidade dizem que, em seus consultórios particulares, atendem a bancários, funcionários públicos e profissionais liberais.

Por isso mesmo, polícia, psicólogos, psiquiatras e todos aqueles que trabalham com dependentes de drogas em Campina Grande, pactuam do mesmo discurso: o melhor remédio é a prevenção. Entrar no mundo de drogas como o crack tem tudo para ser um caminho sem volta, onde o indivíduo destrói não apenas a si mesmo, como a todos aqueles que estão a sua volta. Em Campina, à medida que o crack avança, aumenta o número de mães que dos filhos guardarão apenas a lembrança, fotos, e a dor de uma perda traumatizante.

----------------------------------

Reportagem publicada no Jornal da Paraíba de 31/08/2008


0 Comentários