Crônica: Eu, um velho

EU, UM VELHO


Envelheci antes do tempo. E se o corpo ainda não demonstra, se os cabelos ainda mantém a cor natural, se a pele ainda não adquiriu as rugas do tempo, e se nem mesmo o tempo, célere em nos tornar pretérito, parece justificar essas palavras, saiba que foi o meu ser interior aquele que envelheceu. O semblante, o corpo, pode dizer muito pouco daquilo que verdadeiramente somos. Retire-se a alma, e o resto degenera em horas. O RG me aponta 25 anos. Coisas do meu finado avô, registrando-me com um ano a menos. Lá se vão, na verdade, 26. Parece pouco. É pouco. Mas sou um velho, aborrecido, ranzinza e pessimista. Este último adjetivo segundo a concepção alheia; para mim, meramente realista, não maquiando os fatos, não forçando uma visão positiva e amena do caos. E o caos, amigos, é a própria vida, essa tão breve passagem do homem sobre a Terra, um momento insignificante no tempo, que gastamos em enganos, cobiças, vaidades e ilusões.

Houve, para mim, uma antecipação de estágios que devem marcar cada sujeito, etapas a serem vividas. Não tinha ainda 20 anos, quando deixei de dar o mínimo valor ao que os outros pensavam sobre mim. Pouco adiante, decidi não mais respeitar as pessoas apenas pelas posições que ocupavam. E foi assim que tornei-me livre, livre do jugo de respeitar alguém apenas por estar em uma posição acima, não mais me obrigando a calar ante aquilo que achasse errado e injusto, pelo receio de qualquer dano que a “superioridade” de outrem pudesse trazer-me. Isso é o lado bom de ser velho, a gente poder dizer o que pensa, afinal, logo vamos morrer, e qualquer prejuízo é tão pequeno diante disso.

Os velhos não crêem em amores ideais. Os velhos já enfrentaram tantas frustrações, decepções, foram enganados, magoados, que nem se surpreendem mais com a covardia e a safadeza dos homens. Os velhos desconfiam dos que se lhes dizem amigos. Os velhos não têm horror à morte, porque começam a achar a vida uma merda. Tudo por causa das pessoas. Sim, a vida poderia ser um belo sonho, um instante de alegria e felicidade, mas os homens a fazem uma merda. E isso é o pior, porque, como indivíduos sociais que somos, precisamos desesperadamente uns dos outros; não há felicidade na solidão, não há alegria que não peça um abraço, não há tristeza que não peça um ombro, não há vitória que não reclame alguém para comemorar. De que vale beijar a menina mais bonita da escola, e não poder contar a ninguém?

Mas os velhos, ato contínuo, isolam-se, voltam-se para dentro, parecendo reviver os dias idos, bons ou maus; tornam-se reflexivos, filosóficos, francos demais e, portanto, chatos e temíveis. Antes de ser velho, achava esse gente meio subversiva, como alguém que guardava um segredo. E, na verdade, agora que cheguei à velhice, descobri que não existe um grande segredo, apenas o fato de que, enfim, nessa fase o homem percebe as coisas que antes conhecíamos em teoria, sobre a debilidade das coisas, da juventude, do sucesso, da riqueza, da beleza, da vida. Percebemos o quanto somos estúpidos, correndo atrás de valores tão estúpidos, apenas para realizar sonhos tão estúpidos, achando que, se os alcançarmos, finalmente teremos esse vazio inexplicável que nos consome no silêncio do travesseiro preenchido. E assentamos sonhos sobre sonhos até o fim.

Os velhos temem, sim, a solidão, mas temem mais os homens, suas intenções fingidas, suas palavras falsas, seu ânimo dobre. Assim estou, desde que os olhos se me abriram, e pude ver que, mais que a mera falibilidade natural e justificada de todos ser humano, somos, em nossa grande maioria, cretinos, egoístas e hipócritas. A humanidade vive sob máscaras, num teatro onde cada um faz o papel de muitos personagens, conforme a conveniência do momento, em atos sórdidos e mesquinhos. Por isso os velhos, ao contrário dos jovens, não costumam ter amigos. Dizem, para não ampliar a questão, que estes morreram, e, de fato morreram, mas não fisicamente. Morreram no coração, foram enterrados no passado da inocência e da credulidade nos homens. Viver sozinho não vale a pena. Viver entre tanto fingimento, tampouco. Por isso nós, os velhos, não tememos a morte.
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Lenildo Ferreira

5 Comentários

Taty Valéria disse…
Sabe a melhor coisa de discordar das pessoas inteligentes? Você poder argumentar e discutir!
Olha só, "ser velho" é só uma questão de estado de espírito, e me parece que você tá velho sim, um gagá!
Mas sob seu ponto de vista, isso não me parece um problema, e na realidade, é só isso o que importa.
Eu tô jovem ainda, uma guria!
Passei por poucoas e boas, e a vida fez de tudo pra me transformar numa velha ranzinza, sendo que pra mim, Tatyana Valéria, isso é um problemão dos grandes!
Meus 30 anos não me dizem nada, e meu espírito é igual ao de um adolescente, e me sinto feliz sendo assim.
Se for pra continuar velho mantendo esse mesmo espírito que você tem hoje, eu te deixo ficar velho, desde que continue meu amigo.
Beijão.
Patrick Gleber disse…
Eu também Nildo sou um velho. E o sou com muito orgulho. Essa juventude "pra frente" que está aí não combina comigo. Não combina com o que eu penso.
Givanildo Santos disse…
Além de VELHO, gordo!!!

Tá ruim de aturar.

Brincadeira, cara.

O melhor da velhisse é a experiência adquirida e consequentemente a sabedoria.

Sejamos velhos, ou menos velhos, ou ainda menos jovens.

Valeu!!!
êita, esse valeu tá muito jovem.
wendell penedo disse…
Acho que compartilho todo esse sentimento, essa velhice do isolamento, de não respeitar todo um grupo que me causa uma repulsa grave e que, afinal de contas, nunca me respeitou, portanto nada mais é do que uma postura honestamente recíproca. Se as chagas que carregamos diante dessa vida fossem apenas os adjetivos amargos, ótimo seria! Porém esse medo da solidão talvez seja nosso maior monstro, não um medo de estar sozinho no meio da massa, mas um questionamento em relação a possíveis interlocutores pra essa nossa doença social. Há poucos, mas eles existem e é confortável achar outros idosos camuflados em embalagens novas.
gisela cañamero disse…
Olá Lenildo.
Dei, por simples acaso, com esta prosa. Um texto extraordinário. Parabéns. PARABÉNS!