O ROMANCE DAS LAGARTIXAS
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Quando criança, ficava fascinado com aquela capacidade das lagartixas de andar em todos os ângulos, paredes e tetos, desafiando Newton. Lembro-me ainda de permanecer fixo nas aventuras daqueles bichinhos, com seu pequenino corpo, à cata das presas para suas refeições, a correr sobre as paredes azul-desbotado da nossa velha casa. Isso remonta a tempos para mim tão distantes, que ainda não sabia a devida nomenclatura das coisas, e chamava, à moda comum de nosso interior, aqueles seres de bribas, uma tosca corruptela da palavra víbora. Aliás, quando pensei finalmente ter aprendido a falar direito, foi preciso a amável correção da professora Valdenice, pois, ao invés de pronunciar lagartixa, falava largatixa... E, devo dizer, tem muita gente por aí que ainda não passou dessa fase.
Mas, na verdade, o que mais gostava de ver as bribas fazerem, não eram os ataques aos insetos. Movido por esse aguçado interesse intrínseco à personalidade dos machos, desde a meninice, pelas lutas, e impossibilitado de saciá-lo na pancadaria barulhenta e colorida dos jogos de videogame, tanto proibido por minha mãe quanto pela falta de dinheiro, divertia-me largamente assistindo às batalhas entre as lagartixas. E foi percebendo que, nessas lutas, freqüentemente alguma das bichinhas saía com a cauda arrancada, que fiz minha primeira descoberta autodidata de semântica: daí vinha o uso comum na pátria nordestina do termo “arranca-rabo” como designativo de briga, confusão.
Entretanto, corridos os anos, e lançada a infância no espaço intocável e turvo do passado, na vivência atribulada do ser gente grande, esqueci-me completamente daquela fascinação pelas lagartixas. Como de resto de tantas outras daquele outro eu, pequeno, magricela e sonhador, três coisas que há tempos deixei de ser. Porém, dia desses, num momento de plena falta do que fazer, dei-me a ponderar pela existência de um crescimento na população das lagartixas que moram em minha casa. Provavelmente, aliás, não há crescimento nenhum, é coisa só de ociosidade mesmo, afinal, qual o homem com alguma ocupação útil – ou mesmo inútil – vai parar a observar a quantidade de lagartixas em suas paredes?
Seja como for, depois de tanto tempo, tornei a observar, por alguns instantes, as ações daqueles pequeninos seres amarelados. Esse instante não se prolongaria muito, afinal, já não tenho a paciência de um menino para ocupar-me com certas coisas, se um fato para mim inédito não tivesse prendido a atenção. No início pensei tratar-se de uma briga, já considerava a aposta em quem seria o vencedor. Só então percebi que não era nada de briga, mas sim aquele cerimonial que precede o coito. Chamemos de preliminares. Nossa! Que coisa mais nojenta, como se já não bastasse ficar interessado em briga de lagartixa, agora estava prestes a assistir a uma sessão privê, sexo de lagartixas! Mas, a curiosidade é mãe da teimosia, detive-me naquela cena animal.
Deu-se, então, outra surpresa. Em meio àqueles movimentos sexuais, o casal de amantes perdeu completamente a sustentação, e ambos se estatelaram no chão duro, correndo em seguida cada um para um lado, em disparada, certamente com seu minúsculo corpo dolorido.
Aquilo causou-me profunda impressão, numa inferência imediata. Vejam o que faz o amor! Até as habilidosas lagartixas perdem completamente o equilíbrio e se arrebentam. Exatamente a mesma coisa que acontece com os seres humanos. O amor nos envolve, até que nos tira completamente o equilíbrio natural, e não raro o resultado é que acabamos por nos arrebentar, ficando completamente doloridos, com profundos hematomas na alma.
Claro! Vejamos as lagartixas! Correm soltas, despreocupadas pelo teto e pelas paredes, são capazes de caçar suas presas habilmente. Mas, no instante do amor, lá se vai toda a estabilidade, lá vem o tombo! Quanta gente não há, na vida igualmente equilibrada, centrada, cujo encontro com o amor acaba por tirar-lhe completamente do prumo, roubar-lhe totalmente a sustentação, fazendo despencar das alturas, quebrar a cara?
Fato incontestável. Somos como as lagartixas. Mas, tanto quanto estas estão para subir pelas paredes, estamos nós a procurar o amor, com todos os desequilíbrios que ele nos traz. É a natureza. E em cada desventura, é válido lembrar que, assim como o rabo arrancado da lagartixa volta a crescer, o coração despedaçado se reconstrói, mais cedo ou mais tarde.
Mas, na verdade, o que mais gostava de ver as bribas fazerem, não eram os ataques aos insetos. Movido por esse aguçado interesse intrínseco à personalidade dos machos, desde a meninice, pelas lutas, e impossibilitado de saciá-lo na pancadaria barulhenta e colorida dos jogos de videogame, tanto proibido por minha mãe quanto pela falta de dinheiro, divertia-me largamente assistindo às batalhas entre as lagartixas. E foi percebendo que, nessas lutas, freqüentemente alguma das bichinhas saía com a cauda arrancada, que fiz minha primeira descoberta autodidata de semântica: daí vinha o uso comum na pátria nordestina do termo “arranca-rabo” como designativo de briga, confusão.
Entretanto, corridos os anos, e lançada a infância no espaço intocável e turvo do passado, na vivência atribulada do ser gente grande, esqueci-me completamente daquela fascinação pelas lagartixas. Como de resto de tantas outras daquele outro eu, pequeno, magricela e sonhador, três coisas que há tempos deixei de ser. Porém, dia desses, num momento de plena falta do que fazer, dei-me a ponderar pela existência de um crescimento na população das lagartixas que moram em minha casa. Provavelmente, aliás, não há crescimento nenhum, é coisa só de ociosidade mesmo, afinal, qual o homem com alguma ocupação útil – ou mesmo inútil – vai parar a observar a quantidade de lagartixas em suas paredes?
Seja como for, depois de tanto tempo, tornei a observar, por alguns instantes, as ações daqueles pequeninos seres amarelados. Esse instante não se prolongaria muito, afinal, já não tenho a paciência de um menino para ocupar-me com certas coisas, se um fato para mim inédito não tivesse prendido a atenção. No início pensei tratar-se de uma briga, já considerava a aposta em quem seria o vencedor. Só então percebi que não era nada de briga, mas sim aquele cerimonial que precede o coito. Chamemos de preliminares. Nossa! Que coisa mais nojenta, como se já não bastasse ficar interessado em briga de lagartixa, agora estava prestes a assistir a uma sessão privê, sexo de lagartixas! Mas, a curiosidade é mãe da teimosia, detive-me naquela cena animal.
Deu-se, então, outra surpresa. Em meio àqueles movimentos sexuais, o casal de amantes perdeu completamente a sustentação, e ambos se estatelaram no chão duro, correndo em seguida cada um para um lado, em disparada, certamente com seu minúsculo corpo dolorido.
Aquilo causou-me profunda impressão, numa inferência imediata. Vejam o que faz o amor! Até as habilidosas lagartixas perdem completamente o equilíbrio e se arrebentam. Exatamente a mesma coisa que acontece com os seres humanos. O amor nos envolve, até que nos tira completamente o equilíbrio natural, e não raro o resultado é que acabamos por nos arrebentar, ficando completamente doloridos, com profundos hematomas na alma.
Claro! Vejamos as lagartixas! Correm soltas, despreocupadas pelo teto e pelas paredes, são capazes de caçar suas presas habilmente. Mas, no instante do amor, lá se vai toda a estabilidade, lá vem o tombo! Quanta gente não há, na vida igualmente equilibrada, centrada, cujo encontro com o amor acaba por tirar-lhe completamente do prumo, roubar-lhe totalmente a sustentação, fazendo despencar das alturas, quebrar a cara?
Fato incontestável. Somos como as lagartixas. Mas, tanto quanto estas estão para subir pelas paredes, estamos nós a procurar o amor, com todos os desequilíbrios que ele nos traz. É a natureza. E em cada desventura, é válido lembrar que, assim como o rabo arrancado da lagartixa volta a crescer, o coração despedaçado se reconstrói, mais cedo ou mais tarde.
Lenildo Ferreira
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Bjo
Cíntia