Letras soturnas

O motivo

Era já alta noite. Daquelas noites sem lua ou estrelas, em que o céu apenas parece uma infinidade sombria de nada. Mas, ainda assim, de longe o reconheceu. Vinha de cabeça baixa, mãos nos bolsos, passos lentos, uma surrada roupa negra. Ao aproximar-se deu boa noite e mal foi respondido, apenas um quase imperceptível aceno com a cabeça. Observou que seu semblante estava extremamente abatido, que várias vezes naquele minuto em que estiveram parados, frente a frente em silêncio, tirara a mão esquerda do bolso e esfregava nervosamente sobre o queixo.

Quis, desde o início, indagar do que havia acontecido, qual o motivo de toda aquela alarmante angústia aparentada. Percebeu que, embora voltados para o chão de areia branca, seus olhos pareciam estar enxergando algo muito além, ou, talvez, muito mais profundo e distante. Mesmo assim, em nenhum momento ouviu menção de qualquer palavra, nem tampouco a mínima demonstração de que houvesse alguma lágrima a correr-lhe. Manteve-se o silêncio que, embora aparentemente constrangedor, parecia ser o melhor naquele instante. Apercebeu-se disso nos primeiros momentos.

Enquanto examinava, curioso, mesmo tenso, pressionado já não tanto pela preocupação quanto pela tal curiosidade humana, aquela figura a sua frente, recordava momentos vividos outrora, absolutamente distintos daquela situação. Ah! Momentos de vigoroso sonhar, de elaboração de planos, de animadas lutas pela realização desses sonhos e planos, das palavras convictas, firmes, objetivas, motivadoras. Nem de longe indicava ser a mesma pessoa, e veja-se que nem havia tanto tempo ante as duas realidades que presenciara.

O tempo, aliás, começava a fazer com que não suportasse mais ficar nessa situação de silêncio absoluto. Ia, enfim, inquirir sobre os acontecimentos. O que de tão grave ocorrera? Uma multidão de possibilidades lhe veio à cabeça, uma a uma analisou, algumas descartou, outras entendeu como prováveis. Por fim, não se agüentando mais, perguntou objetivamente:
- O que aconteceu?

Não houve resposta. Apenas o movimento de que ia embora, como se a pergunta tivesse provocado incômodo. Tornou a perguntar:
- Fala! O que aconteceu?

Realmente ia embora. Aquilo trouxe irritação: como podia ir assim? Sem uma explicação, sem uma resposta que fosse? Era já muita falta de consideração. Assim, agarrou-lhe o braço e repetiu, com voz dura e imperativa:
- O que aconteceu?
- Morreu, - foi a resposta que recebeu, com voz débil. Aquilo causou um susto.
- Como é???!! Morreu???!! Quem? Quem morreu? Quem morreu?

Novamente o silêncio. Novamente a irritação e a elevação do tom da voz. Os nervos lhe tremiam, as palavras tropeçavam. Quem haveria morrido? Aqueles instantes lhe trouxeram à mente os mais variados nomes... Quem teria sido a pobre alma que encontrava o fim de sua existência? Precisava de uma resposta!

- Fala!!! Quem morreu???!! Quem? Fala logo! Afinal, quem morreu, quem morreu, diz, quem??! Quem?
- A esperança...
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LeNildo Ferreira

1 Comentários

cara, tu tá um literato! :) gostei do texto, só achei meio augusto dos anjos ao quadrado, não? bicho, que morbidez é essa? :p ainda naquela de Macbeth é? :)