SANDUÍCHE DE PÃO COM OVO

Parece que foi há tanto tempo, que a lembrança dessas coisas me vem encoberta por uma certa névoa. Não traz amargura, dor ou sofrimento, muito embora às vezes - quase sempre, pra dizer a verdade - traga-me lágrimas. Entretanto, o sentimento não é negativo, pois, embora preferisse, claro, nunca ter passado por tudo aquilo, devo reconhecer que meu caráter e personalidade foi forjado sob essas circunstâncias. São lágrimas, talvez, de uma tosca alegria de ter passado por tantas dificuldades, mas, ao invés de por elas ser destruído, usá-las como fator de propulsão, um motivador para vencer.
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Foi na solidão, sem carinho de pai ou mãe, que descobri que só tinha a mim mesmo e, por isso, não poderia viver e crescer de forma irresponsável; Foi na humilhação da mais profunda pobreza que entendi que apenas com muita luta, muito esforço, poderia reverter toda aquela situação; Foi sofrendo pelos erros dos outros que aprendi que, embora tendo sua herança genética, não precisava repetir seus erros: posso e devo ser um bom pai, marido e um profissional bem sucedido - não sou igual a ninguém. Também descobri que as adversidades não nos matam tão facilmente, que tudo depende da forma como nos posicionamos diante dos problemas: quanto mais fracos somos, maiores eles ficam. Tive a certeza de que a dignidade humana não tem preço, razão pela qual jamais deveria vender minhas convicções, pois, eu poderia até morrer de fome, sem ter qualquer valor para essa sociedade capitalista, mas o que importava de verdade era a voz da minha consciência: isso não tinha preço, ninguém roubaria.
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Lembro-me de um dia, que ficou indelevelmente marcado em minha mente, o dia do sanduíche de pão com ovo. Eu estudava de manhã, e quase sempre saía sem comer nada, ficando na dependência da merenda servida pela escola. Mas um dia, com algumas moedas, fui à mercearia do seu Louro, na esquina, e comprei um pão e um ovo. Fiz um belo sanduíche, intencionando levá-lo para, na hora do recreio, viver a inédita experiência de poder lanchar algo trazido de casa. O ovo ficou meio passado, mas estava legal. Vesti a farda, penteei os cabelos e, antes de sair, fui por meu sanduíche na bolsa. Aqui, algo aconteceu, não sei bem explicar: um minuto depois, percebi que havia devorado completamente aquele que seria meu lanche de recreio. Mas não fiquei triste, pois ao menos tinha vivido a rara alegria de tomar café da manhã.
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NILDO FEREIRA

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